Quando recebe o telemóvel novo que acabou de comprar, olha para ele com vários pressupostos, e começa a usá-lo com base no que já sabe, conhece ou teve experiência anteriormente.

Uma pessoa que nunca tenha tido um telemóvel e que vai usá-lo pela primeira vez também tem alguns pressupostos, que não são baseados na sua própria experiência, mas em coisas que já viu, ouviu, ou aprendeu com alguém — e essa pessoa vai usar esse conhecimento, ainda que pequeno, para começar a mexer no aparelho.

Isso é o que se chama “modelo mental” do utilizador: a perceção que cada pessoa tem sobre como as coisas funcionam, como os eventos acontecem ou como as outras pessoas se comportam.

Donald Norman explica no seu livro “The Design of Everyday Things” que o modelo mental é muito importante para nos ajudar a entender as nossas experiências, assim como para prever reações às nossas ações e lidar com situações inesperadas.

A perceção dos seres humanos é, segundo Norman, construída de forma fragmentada, com pouco entendimento da realidade e com formulação de causas, mecanismos e relações, mesmo quando elas não são reais.

O modelo mental do utilizador baseia-se no que ele sabe, ou acha que sabe, no que ele supõe ou acredita.

“Nós baseamos os nossos modelos no conhecimento que temos, real ou imaginário, ingénuo ou sofisticado.”

A expressão-chave é: entender como as pessoas fazem as coisas. Devemos levar isso muito a sério. Não devemos julgar se o modo como as pessoas fazem é bom ou mau, muito menos relevar ou desconsiderar esse modo ou supor que as pessoas vão mudar a sua perceção e o modo como se comportam de uma hora para a outra.

O caso da Samsung

caso samsung 1 - modelo mental do utilizador

Recentemente a Samsung foi notícia em todo o mundo por causa do seu novo smartphone dobrável, o Galaxy Fold, um aparelho que custa 2 mil dólares. Alguns dos dispositivos estragaram-se logo nos primeiros dias de uso, nas mãos dos jornalistas que os receberam para experimentar e fazer os seus comentários.

caso samsung 2 - modelo mental do utilizador

Ainda não se sabe oficialmente o que aconteceu, porque é que o ecrã dobrável se estragou, mas uma das coisas que vários jornalistas disseram ter feito foi retirar a película do ecrã, que segundo a Samsung não deve ser retirada!

 

Após inúmeros comentários negativos dos jornalistas, a empresa anunciou que estava a recolher os aparelhos para novos testes e análises.

Sobre não retirar a película, a empresa disse que vai colocar um aviso (!).

E o lançamento do produto para o mercado teve de ser cancelado!

 

Os utilizadores de smartphones, que já trocaram de aparelho alguma vez, aprenderam que o novo vem com uma película protetora, que deve ser retirada antes de utilizar, e muitos fazem isso logo que abrem a caixa, sem olhar para mais nada. Será que um aviso para não retirar a película é uma boa solução, considerando o modelo mental dos utilizadores?

Criar um sistema/site/aplicação repleto de funcionalidades e de recursos pode fornecer uma experiência positiva, mas a boa Experiência do Utilizador (UX) vai muito além do design da interface ou da potência do hardware.

Quando designers, engenheiros, product owners, gestores de projeto e profissionais de marketing não consideram adequadamente os modelos mentais das pessoas, dos clientes, há uma forte possibilidade de insucesso para o negócio.

UX Research é chave

É verdade que um produto dificilmente poderá estar em linha com o modelo mental de todos os utilizadores, que podem ser milhões. No entanto, é possível criar produtos que correspondam aos principais modelos mentais dos utilizadores do público alvo.

Para isso, é necessário focar nas pessoas e nas suas necessidades, comportamentos, propensões, desejos, inclinações. Através do que se aprende sobre as pessoas e os seus modelos mentais, obtido principalmente ao realizar research qualitativo baseado na observação das pessoas - UX Research - é possível entender melhor como elas fazem as coisas e criar produtos que dão resposta às necessidades, satisfazem e encantam.

As empresas, sejam startups ou grandes multinacionais, precisam de aprender que UX Research não é a mesma coisa que design visual ou design de interfaces. É através da observação das pessoas, do modo como elas agem, pensam e se comportam, que é possível ganhar vantagens competitivas e evitar lançamentos desastrosos de produtos que as pessoas não querem, não precisam ou não conseguem usar.