A inteligência artificial (IA) tem um potencial elevado para transformar a experiência humana, tal como a conhecemos atualmente. Pode facilitar ou automatizar a realização de algumas tarefas, melhorar a capacidade de recebermos informação e de responder às diferentes solicitações do ambiente e do contexto. No limite, através da expansão das capacidades cognitivas humanas, pode aumentar a qualidade das nossas experiências para níveis de desempenho nunca alcançados.

Atualmente, este potencial já se materializou em realidade em diferentes domínios – já não se trata de um cenário de ficção científica. Os sistemas baseados em IA são já uma tendência de mercado, foco de grande investimento das empresas e de atenção dos legisladores e reguladores. Existe um grande objetivo partilhado de tornar a tecnologia cada vez mais “inteligente”. Mas “mais inteligente” significará sempre ter mais sucesso, ser mais adotada

Estas questões só podem ser respondidas através da construção de uma visão abrangente e de uma abordagem integrada ao produto, que inclua a perspetiva do utilizador. E, por este motivo, as equipas que desenvolvem a tecnologia, que recolhem e analisam os dados, que gerem o produto, que estudam o utilizador e que desenham as soluções devem trabalhar de forma articulada para encontrar este equilíbrio. Os processos de UX são multidisciplinares e têm um papel significativo na adoção de sistemas inteligentes.

Para aqui chegar, e para melhorar o processo de desenvolvimento dos sistemas de IA, devemos garantir que projetamos soluções que respeitam os critérios para criar uma boa experiência. Como para qualquer outro produto, sistema ou solução, adotar uma abordagem human-centered contribuirá para atingir estes objetivos, ajudando-nos a:

  • Entender como a aceitação e o uso da IA ​​dependem da qualidade da experiência do utilizador (e compreender como devemos avaliar esta experiência);
  • Descobrir como a tecnologia pode avançar para além do critério do “funciona” para “é fácil de usar”, “é útil”, “é confiável”, “é inteligível”, “acrescenta valor”, “é controlável”;
  • Determinar de que forma podemos permitir que os utilizadores otimizem as soluções através da interação, tornando a IA mais bem alinhada com as suas necessidades.

Perceber como os humanos podem ficar mais inteligentes, com recurso à IA.

Alguns estudos, revelam que as pessoas tendem a aplicar as mesmas normas de interação humano-humano nas suas interações com sistemas inteligentes. No entanto, existem algumas diferenças na forma como as pessoas percecionam e reagem a estas tecnologias, e também nas pistas e nos critérios que usam para avaliar estas soluções.

As pessoas julgam outras pessoas, principalmente, pelas suas intenções, e as máquinas pelos seus resultados – no caso de acidente, a máquina é julgada, sobretudo, pelo dano causado, enquanto a pessoa é julgada também pela sua intenção em causar dano. Noutro exemplo as pessoas atribuem um peso maior à competência percebida e às experiências passadas com outras pessoas para estabelecer uma relação de confiança. Por outro lado, para confiarem num sistema, normalmente, as pessoas usam informação mais específica, focada na interação em concreto, nos dados que conseguem obter sobre o funcionamento do sistema e na precisão dos resultados obtidos.

Sabendo que existem diferentes aspetos que contribuem para a relação do utilizador com o produto, a adoção de tecnologias baseadas em sistemas inteligentes deve ser trabalhada durante o seu desenvolvimento, tendo em consideração estas dimensões. Se incluirmos o conhecimento sobre as pessoas, os contextos de uso, as expectativas e a forma como os utilizadores se relacionam com sistemas inteligentes, conseguimos delinear um conjunto de heurísticas, para orientar a criação de um produto baseado em IA (algumas mais generalizáveis e outras que terão que ser mais adaptadas à realidade de alguns projetos).

 

uma interface que mostre o estado de um sistema, que use informação contextual

Transparência e Confiança

  • Deixar claro o que o sistema pode fazer. Incorporar informação direcionada e avisos adequados. Responder em concreto quando o utilizador quiser saber mais sobre uma funcionalidade. Identificar a informação e os processos relevantes para as pessoas, trabalhar a sua transparência e identificar o seu valor;
  • Comunicar o racional do sistema. Garantir que os utilizadores têm acesso à forma como o algoritmo funciona ou aos critérios utilizados para a recomendação ou tomada de decisão. Por exemplo, quando um sistema de ajuda à navegação seleciona um percurso, o utilizador deve ser informado sobre se a recomendação foi gerada com base no tempo ou no custo da viagem;
  • Mostrar informações relevantes em contexto. Fornecer informações ou sugerir ações com base em contextos de uso específicos. Por exemplo, quando um sistema de IA tem acesso ao calendário do utilizador, pode apresentar recursos contextuais, como sugerir um percurso ou uma paragem num dos restaurantes favoritos. A confiança, incluindo para a partilha de dados, é mais facilmente conseguida quando as pessoas percecionam um acréscimo de valor no que lhes é oferecido;
  • Desenvolver para a segurança. Evitar comportamentos não intencionais do sistema que possam adicionar risco na sua utilização ou quebrar a confiança do utilizador. Contudo, o erro ocorre principalmente em sistemas que requerem processos de aprendizagem. Nessa altura, o sistema deve assumir e comunicar o erro de forma adequada, apresentar o racional e incorporar oportunidades para melhoria.

 

Como conseguimos controlar interfaces movidas pela inteligência artificial

Controlo e Feedback

  • Facilitar a solicitação de serviços de IA quando necessário. Desambiguar funcionalidades e deixar claras as formas de aceder e interagir com as mesmas. Por exemplo, num sistema baseado em voz, o processo de invocação deve ser simples, mas suficientemente diferenciado para ignorar todas as outras vocalizações que não sejam dirigidas ao sistema;
  • Manter o utilizador informado sobre os estados e as alterações do sistema ao longo do tempo. Ao introduzir novos recursos no sistema, este deve informar o utilizador sobre quais são as novas funcionalidades, como pode usá-las e de que modo respondem às suas necessidades;
  • Aprender com o comportamento do utilizador. Por exemplo, reter e recuperar informações de interações recentes e oferecer conteúdo e recursos que acrescentem valor e que respondam diretamente às necessidades daquele utilizador em particular. Utilizar testes A/B para recolher informação sobre comportamentos e atitudes dos utilizadores;
  • Criar ciclos de feedback. Explicar o comportamento do sistema aos seus utilizadores, manter a transparência dos processos e permitir o feedback. Quando existe incerteza relativamente a um comportamento do sistema, o utilizador deve conseguir explorar e compreender o que motivou determinada ação, quais as fontes de dados usadas ou qual o grau de certeza de determinada recomendação;
  • Manter a possibilidade de controlo do utilizador. Em vez de uma IA que substitua os humanos, a tecnologia será mais adotada se conseguir comunicar como pode amplificar e aumentar as nossas capacidades. No final, o utilizador deve ter uma perceção de controlo e não ser apenas um espectador. Isso significa ser capaz de intervir, reverter ações indesejadas e recompensar ações adequadas. Estimular um ambiente colaborativo com diferentes níveis de dependência;
  • Identificar as funcionalidades a automatizar. Nem tudo deve ser automatizado. A maioria das tarefas pode ter alguns passos que são adequadas para IA e outros que devem ser deixados para os utilizadores. As razões para não usar IA podem relacionar-se com tarefas que requerem competências exclusivas dos humanos (ex. compreender emoções ou motivações, fornecer dignidade), tarefas onde há um valor intrínseco ao processo manual (ex. um nível de expertise específico), tarefas que requerem avaliação subjetiva (ex. decisões éticas ou morais), ou tarefas com outro tipo de consequências a um nível mais abrangente, até mesmo comunitário ou societal.

Estas recomendações para design de soluções com IA contribuem não só para a definição iterativa da solução, como também para definir critérios mais relevantes para avaliar a experiência do utilizador e para validar os produtos finais.

 

O novo mundo da IA ​ precisa de uma abordagem de UX igualmente nova, que consiga dar resposta a todo o potencial que as novas tecnologias oferecem. E, neste processo, haverá lugar para a automatização de algumas tarefas atualmente realizadas pelos profissionais de UX, mas também para abrir portas a oportunidades de mudança, que devem ser aproveitadas:

  • Trazer as pessoas para o centro do desenvolvimento, atualizando o conhecimento sobre os problemas a resolver, as suas necessidades, as barreiras que encontram e o que estão dispostas a abdicar na realização das suas tarefas;
  • Compreender as novas jornadas do utilizador, as diferentes alternativas, e identificar os momentos-chave para trabalhar, por exemplo, o controlo em relação à automação do sistema, os momentos em que a confiança deve ser consolidada ou em que a exploração deve ser promovida;
  • Colaborar nos processos de modelação, em tarefas como a amostragem, a representatividade, a identificação e a categorização dos dados;
  • Contribuir para alimentar os modelos de aprendizagem da IA, através de técnicas participativas e de treino dos algoritmos. Os analistas comportamentais e UX researchers são treinados para medir e avaliar construtos, muitos deles fundamentais como inputs dos modelos computacionais ou para teste de resultados;
  • Recolher e interpretar o feedback dos utilizadores e extrair padrões comportamentais, a partir dos dados analíticos provenientes da interação ou recolha de informação direta junto dos utilizadores;
  • Planear a estratégia de conteúdos e escrever para a experiência do utilizador, trabalhando critérios fundamentais para a adoção dos sistemas inteligentes, como a transparência, a seleção dos processos relevantes, a confiança, a (in)certeza e o controlo do utilizador.

Uma abordagem human-centered aplicada à IA será o caminho para aprimorar os dados, otimizar as soluções, personalizar as interações e deixar que a experiência do utilizador venda a tecnologia.