Em 2017 li, pela primeira vez, o termo “UX writing”. Segundo a Google, uma das primeiras grandes empresas a apostar na contratação de UX writers, o papel deste profissional de UX consiste em:

“Transmitir a voz da marca e moldar a experiência do produto através de uma escrita capaz de ajudar os utilizadores a concluir uma determinada tarefa.”

Depois de 8 anos a trabalhar em marketing e publicidade como copywriter, decidi que uma aposta nesta nova disciplina do design seria o próximo passo na minha carreira.

Esta mudança aconteceu por duas razões:

1. Notei que cada vez mais empresas estavam a apostar em atividades de UX e a valorizar a sua importância numa perspetiva de aumento de lucros;

2. Pareceu-me haver um consenso de que a escrita para a experiência do utilizador, ou seja, focada nas pessoas e orientada para as guiar dentro de um produto e não para lhes vender algo, começava a ser valorizada como elemento essencial de uma interface.

Hoje, cerca de 6 meses depois de me ter juntado à Tangível, trago-vos os principais ensinamentos enquanto UX writer numa equipa responsável por desenvolver produtos digitais para um cliente na área da banca.

 

1. A primeira versão do copy nunca é a final

Quer seja um simples botão, um tooltip ou uma newsletter, a primeira versão de tudo o que escrevemos nunca é a final.

Depois de termos uma noção clara do problema a resolver, a primeira abordagem deve consistir em escrever a nossa mensagem na linguagem mais simples e clara possível. Como se estivéssemos a escrever para um familiar que nada sabe sobre aquele tema.

Em seguida, é preciso reescrever o texto aplicando a voz e o tom da marca ao produto. Antes de terminar, ainda há questões importantes a fazer. Este texto responde às necessidades dos nossos utilizadores? Há uma forma ainda mais clara e concisa de o dizer? Se a resposta for sim, o nosso trabalho ainda não está feito. Por último, é possível que o nosso texto ainda tenha de acomodar preocupações legais ou de segurança que, por vezes, somos obrigados a respeitar.

Enquanto UX writers, devemos estar preparados para reescrever o mesmo texto várias vezes até chegarmos à melhor versão possível, e a nossa equipa também deve ter essa noção. Devemos ter em mente que não estamos a escrever para nós próprios, mas sim para ajudar os utilizadores. Isto significa que é necessário praticar algum distanciamento emocional face ao nosso próprio trabalho.

Por muito difícil que seja, o nosso ego não pode interferir nas nossas decisões de escrita. Um bom UX writer é, acima de tudo, um bom editor.

 

2. Definir a voz e o tom de um produto é essencial

A criação de um documento de voz e tom é uma das ferramentas de trabalho mais importantes para o sucesso de um UX writer. Quer seja uma app, website, email ou campanha de marketing, a voz do nosso produto deve ser única — uma expressão inequívoca da personalidade, crenças e valores da marca.

Enquanto que a voz é consistente ao longo de toda a comunicação do produto, o tom pode variar em diferentes contextos, de acordo com a necessidade. Por exemplo, a personalidade de uma instituição bancária não muda quando esta comunica para públicos diferentes, como investidores e universitários, mas o tom deve adaptar-se, sendo mais ou menos informal.

O documento de voz e tom vai nortear a forma como escrevemos e centralizar decisões que são a base de trabalho da equipa de UX writing. Nele constam regras de natureza linguística, como por exemplo, a maiusculização (ou não) de determinadas palavras, ou orientações para a escrita dos vários elementos que compõem a interface de um produto, entre outras.

O leque de decisões a tomar é grande, mas, no final, o esforço compensa. Vamos estar perante um produto que comunica de forma coerente, autêntica e, acima de tudo, diferenciadora e merecedora da confiança dos utilizadores.

 

3. Usar texto lorem ipsum em wireframes é um erro

A Wikipédia define texto lorem ipsum como:

“Um texto padrão em latim utilizado na produção gráfica para preencher os espaços de texto em publicações (jornais, revistas, e sites) para testar e ajustar aspetos visuais antes de utilizar conteúdo real.”

Utilizar texto lorem ipsum como texto temporário é um erro, na medida em que remete o conteúdo para o final do processo de design, retirando-lhe o poder que este tem enquanto elemento fundamental de uma interface.

Seja qual for a fase do projeto, não faz sentido apresentar wireframes sem conteúdo real. Ter o conteúdo já preparado, ou uma primeira versão, é uma forma mais eficiente de comunicar as nossas intenções à equipa, pois permite que todos compreendam o trabalho de uma forma mais clara e realista.

Como conseguimos isso? Através de colaboração e trabalho de equipa, desde o primeiro dia e ao longo de todo o processo de design. A colaboração também torna-se mais fácil se todos usarmos as mesmas ferramentas, e é aqui que a utilização de aplicações como o Sketch se torna indispensável para o UX writer.

Sim, devemos usar as mesmas ferramentas que os designers.

 

4. Não somos o nosso público-alvo

Por muito que nos custe, nunca vamos saber se a nossa solução é a melhor tendo por base apenas a intuição. Temos de considerar a experiência que estamos a criar a partir da perspetiva daqueles que a vão utilizar, e saber como reunir dados que sustentem as nossas decisões.

Por exemplo, se criarmos duas ou mais versões da mesma mensagem de sucesso, é fácil sentirmo-nos inclinados para uma determinada versão porque simplesmente nos soa melhor. Será que isso significa que também é o melhor para os utilizadores? Esta é uma questão particularmente relevante se estivermos a criar conteúdos para utilizadores de vários países, onde o contexto pode mudar totalmente.

Daí a importância de testar o conteúdo. Primeiro, validando-o com a nossa própria equipa. Depois, testando-o com elementos desse mesmo público-alvo, sempre que possível.

Por exemplo, podemos imprimir uma folha com o texto que queremos testar, e pedir a um colega que sublinhe com um marcador verde a informação que está clara, e a vermelho a informação que é confusa. A partir daí, podemos melhorar o nosso trabalho.

 

5. Temos de conhecer o nosso utilizador

Apesar de nem todos os projetos permitirem fazer pesquisa com utilizadores, esta é uma das melhores formas de compreender as dores, motivações e modelos mentais de quem usa o nosso produto.

Na impossibilidade de fazer pesquisa com utilizadores (entrevistas, criar personas, user journeys, etc.), existem algumas técnicas que um UX writer pode utilizar a qualquer altura, sem sair do escritório. Seguem-se duas que considero úteis:

  • Google TrendsÉ muito comum ficarmos indecisos na escolha entre uma determinada palavra e outra. O Google Trends é um dos melhores amigos de um UX writer, pois permite fazer este tipo de escolhas com base em dados.

Por exemplo, se estamos indecisos entre utilizar dois termos diferentes, uma pesquisa rápida permite-nos saber qual é o mais procurado pelos utilizadores. Esta pode ser uma grande ajuda na tomada de decisão.

  • Conversation mining – Explorar os comentários nas redes sociais, fóruns especializados, ou críticas nas lojas de aplicações móveis são excelentes formas de auscultar o que os utilizadores dizem acerca do nosso produto, como interagem com ele e, muito importante, que vocabulário utilizam para o descrever.

Esta técnica é interessante, na medida em que pode influenciar e informar a forma como escrevemos sobre o produto.

 

6. O UX writer também é um designer

Por último, mas não menos importante: escrever também é fazer design.

Enquanto UX writers, somos tão responsáveis pelo design da experiência quanto os próprios designers. Temos a nosso cargo a responsabilidade não só da forma como o conteúdo é apresentado, mas também por todos os elementos gráficos que o acompanham.

“Verbalizing design is another act of design.” – Kenya Hara

Por exemplo, é comum chegarmos à conclusão de que, após o nosso texto ser incluído no design, que o módulo pensado pelo designer para aquele conteúdo em particular não é a melhor solução. Nesse caso, o UX writer tem de estar preparado para contribuir com sugestões de melhoria para garantir que a experiência final é a melhor possível, ainda que isso implique alterações ao design.

E qual dos dois deve vir primeiro? O conteúdo ou o design? As respostas variam, mas ao longo dos últimos meses aprendi que o melhor trabalho é aquele que é feito em parceria, desde o início de um projeto. É quando o conteúdo e o design nascem ao mesmo tempo. Esse é o trabalho que vai evoluindo a cada iteração, sem que nenhuma competência se sobreponha à outra, numa harmonia quase perfeita.

 

Por um mundo (digital) mais humano

A transição de copywriter para UX writer trouxe-me a possibilidade de ajudar a melhorar produtos digitais que são utilizados por milhares de portugueses todos os dias.

Acredito que, através da linguagem, o UX writer tem o poder de tornar uma interface mais útil, humana e simples de utilizar. Isto significa que podemos ter um impacto positivo na vida das pessoas, uma vez que todos usamos interfaces digitais — talvez hoje mais do que nunca.

Ao resumir muito daquilo que aprendi, resta-me esperar que este conhecimento possa ser útil a outros profissionais em situações semelhantes, ou mesmo a quem esteja a pensar iniciar uma carreira como UX writer.

Se o fizerem, tenho a certeza de que vão gostar e de que vão olhar para a escrita de forma um pouco diferente.