Enquanto antropóloga de formação e sonhadora por princípio, sempre acreditei que deveríamos ser o mais transparentes possível na forma como levamos a nossa vida e o nosso trabalho.
Ao longo do meu percurso profissional, como qualquer pessoa que conheço, fui-me deparando com questões que muitas vezes me deixaram desconfortável, nomeadamente a camuflagem do que encontrava na pesquisa que fazia.
Imagem: Blog Tecsinapse – Design de Comportamento: Psicologia na Concepção do Produto B2B
Junta-te a nós ou salta fora
Este parece ser o mote das consultoras típicas, e os profissionais mais inexperientes, acabam por consentir que os resultados das pesquisas sejam dissimulados ou desvalorizados, para singrarem num mercado de trabalho que ainda vê os antropólogos como uns tipos que andam no meio do mato a falar com os índios.
Por isso, o sentimento de desconforto em não conseguir transmitir a mensagem, de não ter o “poder” de dizer exatamente ao cliente o que se observou, é algo muito presente na memória de quem ainda não entendeu quais são as regras do jogo.
Fica-se, então, com a seguinte questão: o trabalho desenvolvido é desenvolvido em benefício dos consumidores/utilizadores, doa a quem doer, ou serve simplesmente para as consultoras conseguirem palmadinhas nas costas dos seus clientes?
Pondo as coisas em perspetiva
Hoje, olhando para trás, penso o quanto fui ingénua, e penso também no quanto estamos mal preparados quando saímos da faculdade para ingressar no mercado de trabalho. É sempre bom questionarmos o que nos incomoda, mostrando que não perdemos a nossa essência. No entanto, um profissional inexperiente poderá comprar guerras por causa da sua inocência.
Com a experiência surge um melhor entendimento sobre o mundo dos negócios e das empresas e percebemos que, na realidade, tudo pode ser dito a partir do momento em que existe respeito, tanto do lado das consultoras, como do lado dos clientes que as contratam.
Para além disso, a partir do momento em que se começam a mapear antecipadamente os problemas que podemos vir a ter com determinado projeto, tudo se torna mais fácil e, passados alguns meses, tudo surge naturalmente.
Imagem: UX Planet – The types of design research every designer should know NOW
Tudo começa pelo plano de pesquisa
Quando um cliente adjudica um projeto, na maioria dos casos, recebe uma proposta com uma pequena apresentação da consultora (caso seja um cliente novo), os objetivos do projeto (adequação da interpretação que temos do desafio partilhado na reunião de debriefing), a metodologia, outputs, equipa e no final a cotação.
Ou seja, nunca é mapeado o que é esperado do lado do cliente, nem o envolvimento deste no decorrer do projeto. Resumindo, não se envolvem em determinadas fases do projeto as pessoas que conhecem muito bem a empresa/marca e o produto/serviço.
E é por causa dessa exclusão que é criado um ponto de tensão com o cliente sempre que é necessário dar uma “má notícia”. Na maioria dos casos, este sente-se excluído e interpreta esta partilha como um ataque ao trabalho que tem vindo a desenvolver nos últimos meses, ou até mesmo anos.
Imagem: General Assembly blog – The call for design thinking facilitators
Envolver os clientes
Parece tão óbvio, não é? Mas porque é que a maioria das consultoras não o faz com mais frequência?
Porque é que alguém tem de ser o dono da razão e achar que só os especialistas é que sabem interpretar a informação recolhida no campo?
O primeiro passo é interiorizar que estas pessoas, melhor que ninguém, conhecem a sua empresa/serviço/produto e só temos a ganhar se utilizarmos a informação que detêm para benefício do projeto. Temos de permitir que participem nos vários momentos e deixá-los ver pelos seus próprios olhos as dificuldades que os seus consumidores/utilizadores têm.
Devemos pedir que, em todas as fases da pesquisa, sejam elas entrevistas, momentos de observação ou testes com utilizadores, alguém do lado do cliente possa participar, pelo menos uma vez.
Claro que temos de explicar muito bem o que é esperado, porque não queremos que exista enviesamento de informação. Por isso, há também que saber escolher as pessoas indicadas para este envolvimento. Como tal, é fulcral que exista uma boa política de comunicação entre a consultora e o cliente, porque o nosso objetivo não é alarmar quando ainda não consolidamos toda a informação que recolhemos.
Nos dias de hoje, este tem sido o meu mote, ou seja, a má notícia nunca tem sido uma surpresa, porque na maioria dos casos não é preciso falar nela, o cliente viu e participou na resolução do problema.
Após o mapeamento das “más notícias” e da entrega de soluções, é recomendado acompanhar qualquer progresso feito na solução dos problemas identificados. É importante que o cliente perceba que, após a entrega das recomendações, estamos disponíveis para recolher feedback sobre como a solução está a funcionar.
Imagem: Business Models Inc. – Best practices for design thinking with remote teams
Os clientes também são humanos
Outro ponto que considero importante é que nunca nos podemos esquecer de que estamos a falar com pessoas. Pessoas que, como eu, têm de prestar contas a alguém, pessoas que, como eu, têm família e que, em certos dias, a gestão destes dois mundos nem sempre é fácil.
Acima de tudo, temos de ver o cliente como alguém que precisa da nossa ajuda e o nosso trabalho também é perceber de que forma é que a conseguimos materializar. Toda a gente fala em empatia nos dias de hoje, mas no mundo dos negócios este parece ser um exercício que fica para segundo plano, esquecendo que pode ser um elemento diferenciador entre a maioria das consultoras no mercado.
Como tal, o cliente precisa de saber o impacto das sugestões/recomendações que fazemos, como quantos clientes vão angariar e quanto dinheiro é que isso representa, seja de poupança ou de receita, porque alguém de certeza lhe vai perguntar por essa informação.
A informação pode nem sempre ser animadora, mas pelo menos o cliente consegue explicar a quem de direito o que está a acontecer e como agir para colmatar a situação.
Imagem: Designer Fund – How to Ace Your Portfolio Presentation
Para concluir…
Este não é um artigo com regras certas ou erradas, é uma partilha de experiência de como abordar este tema. Se o método está perfeito? Não, não está, mas pelo menos ajuda-nos a estruturar as próximas tentativas. E o mais incrível é que tudo isto parece óbvio.
Não sendo um tema novo, é incrível a quantidade de consultoras que não promove este envolvimento dos clientes, e a justificação é sempre a falta de tempo ou “vão atrapalhar o nosso trabalho”.
Acima de tudo, é importante que o cliente fique ciente de que precisamos dele para o sucesso do projeto, e para isso não precisamos estender a sua duração, precisamos apenas que esteja disponível. O passo seguinte já parte da consciência do cliente.
Apesar do foco deste artigo estar no cliente, nunca nos podemos esquecer que o nosso compromisso também é para com os utilizadores/consumidores, porque queremos que sintam satisfação a utilizar um produto ou serviço.
Como tal, nunca é demais referir a importância de dizer a verdade.
A Certificação Internacional UX-PM aborda vários temas de UX, entre eles o incentivo ao envolvimento dos clientes no processo de pesquisa, fase essa extremamente importante quando se fala em User Experience.