A revista norte americana “The Atlantic” publicou recentemente uma longa reportagem sobre o investimento da Ford na melhoria da experiência do utilizador como parte importante da estratégia para ganhar uma vantagem competitiva e sair da crise em que está imersa há algum tempo.

Há pouco mais de um ano, a empresa contratou um novo CEO para gerir a tradicional e centenária empresa, um profissional que não tem exatamente o perfil de um executivo da indústria automobilística. James Hackett, 63, foi executivo durante 20 anos na indústria de móveis para escritório.

Foi na Steelcase que Jim se tornou um defensor convicto do Design Thinking. Ele batalhou muito para que a empresa se focasse menos nos locais de trabalho, que eram a menina dos olhos da companhia quando ele chegou, e passasse a focar-se mais nas pessoas que iriam trabalhar naqueles espaços.

Ele contratou antropólogos e sociólogos que começaram a trabalhar em estreita colaboração com especialistas em tecnologia, e tornou a Steelcase uma pioneira nos espaços de trabalho abertos e orientados para os profissionais trabalharem em equipa, tão comuns hoje em dia. Segundo a reportagem, ele transformou uma empresa de móveis de escritório numa líder da revolução do modo como as pessoas trabalham nos dias atuais.

A escolha de Jim Hacket para dirigir a Ford, segundo a reportagem, confundiu tanto os analistas que esperavam um nome vindo do segmento automobilístico, como dos que apostavam em alguém com forte experiência em tecnologia. Mas a seleção de Jim sugere uma terceira via — que pode, de fato, estar mais adequada à realidade atual.

“Nós não vivemos na era do automóvel ou mesmo na idade do computador. Vivemos na era da Experiência do Utilizador.”

A reportagem enfatiza que as nossas vidas estão repletas de interações homem-máquina — com smartphones, televisões, aplicações — que têm o poder de encantar e, muitas vezes, enfurecer. (“Enlouquecedores” é a descrição de Hackett para controles remotos de TV “de 90 botões”.)

Neste cenário, surgiu uma nova classe de profissionais: os UX Designers, cujo trabalho é ver um produto não apenas do ponto de vista da engenharia, do marketing ou do departamento jurídico, mas do ponto de vista de quem vai usar o produto, ou seja, do utilizador, do cliente. Estes profissionais insistem em que o cliente não tem que aprender a falar a língua que é falada dentro da empresa. A empresa é quem deve aprender a falar a língua do cliente.

De momento, a questão que paira sobre a indústria automobilística é se empresas de alta tecnologia, como Tesla e Google, podem aprender mais rapidamente sobre motores, sistemas de transmissão e chassis do que a Ford, GM e outras empresas de automóveis podem aprender sobre algoritmos e software. Jim Hackett diz que a aposta da Ford é de que o vencedor não será nem o melhor fabricante de chassis nem o melhor fabricante de software, mas sim aquele que melhor se focar na interação entre homem e máquina.

“Uma das coisas que me atraiu no Jim foi o seu compromisso com o Design Thinking, que coloca o ser humano no centro da equação”, explicou Bill Ford, presidente executivo da empresa (e bisneto de Henry Ford).

O caminho do Jim não está a ser fácil, e recentemente a Ford anunciou o encerramento de uma das fábricas no Brasil, em São Bernardo. Mas o presidente executivo está ao lado dele. E, certamente, também os consumidores de automóveis, de hoje e do futuro, que querem carros melhores, mais focados neles.

A Ford já sofreu por não se concentrar na experiência do utilizador. Em 2010, a empresa figurava na 5a. posição num índice de qualidade americano e, após lançar um belo e frustrante painel touch, caiu para a 27a. posição em 2012.

painel carro ford

posição da ford em 2010 e 2012

 

Na Ford de Jim Hackett não se avança para a fase de execução até que se tenha uma compreensão profunda de como as pessoas usam os seus carros e, mais importante ainda, porquê.

A empresa criou um espaço dedicado a testes com utilizadores, onde engenheiros, designers e outros profissionais trabalham todos juntos. É nesse espaço que está a ser testado, por exemplo, como carros semiautónomos se comportam quando o controlo passa do motorista para a máquina. Esse é um momento crucial da interação, em que o assento afunda e se afasta do volante, mas apenas o suficiente para sinalizar a transferência de controle, sem gerar pânico no motorista. Os ajustes feitos pelos engenheiros e pilotos de testes são testados com motoristas reais, para se chegar aos melhores ajustes para quem vai realmente “conduzir” o carro.

“Vai levar algum tempo”, disse Hackett. Mas ele prefere obter as respostas certas lentamente do que as erradas rapidamente.

Jim Hackett Ford

 

Pode ler a reportagem completa, em inglês, em: https://www.theatlantic.com/magazine/archive/2019/03/ford-ceo-jim-hackett-ux-design-thinking/580438/