Em 2001, nunca tinha ouvido ou lido sobre experiência do utilizador (UX). O foco, enquanto Web Designer, estava nos requisitos do projecto, na tecnologia e na marca. Ao longo de 18 anos de carreira, tenho aprendido a focar-me no utilizador. Mudar de Web Designer para UX Designer pode ser uma evolução natural, se estivermos receptivos a mudar de foco.

 

O foco na tecnologia e na marca

No início dos anos 2000, a Internet em Portugal era um fenómeno em crescimento. Fascinado pelas possibilidades que as novas tecnologias proporcionaram, enveredei por um curso de formação profissional de multimédia. Aprendi a trabalhar com programas como o Adobe Photoshop e Flash, HTML, CSS, Javascript e algumas, mas poucas, noções sobre design de comunicação.

Estava interessado em desenvolver produtos interactivos, apelativos visualmente e usados pelo maior número de pessoas possível. Queria desenvolver interfaces como os dos filmes de ficção científica que adorava.

Os primeiros projectos em que participei foram por convite de empresas maioritariamente constituídas por programadores. O foco dos projectos estava na tecnologia e pouco se sabia sobre o utilizador. Em primeiro lugar, definia-se o âmbito do projecto e o desenho de interfaces era considerado embelezamento, suportado mais em crenças do que em factos.

Muitos dos clientes que fui tendo neste início de carreira estavam mais preocupados em promover a sua marca e estar na vanguarda da tecnologia, do que em resolver problemas dos utilizadores dos seus produtos.

Enquanto Web Designer, tinha de estar sempre à procura de acompanhar o mais recente desenvolvimento de HTML, CSS ou outra linguagem de programação e novos browsers, do que a fazer research com utilizadores e testes de usabilidade.

O meu grande objectivo passava por comunicar da melhor forma, no mundo digital, os valores da marca dos meus clientes e ajudá-los a atingir as métricas de negócio que tinham estabelecido.

 

O responsive web design, o iPhone e a mudança de foco

Com o avançar dos anos, fui cada vez mais aprofundando os meus conhecimentos em web design e linguagens de programação. Tipografia, teoria da cor, princípios heurísticos e de usabilidade começaram a ser o meu maior foco. Queria comunicar de uma forma mais empática com os utilizadores e resolver da melhor forma os problemas dos meus clientes.

“Quero aumentar em 30% as vendas no meu website… o número de visualizações dos nossos artigos tem de ser maior…”

Estas eram as grandes preocupações dos meus clientes, mas eu cada vez mais questionava quem e como eram utilizados os projectos por mim desenvolvidos. Nessa altura, desenvolvia experiências destinadas maioritariamente a desktop e interfaces para quiosques digitais. Esses últimos foram os primeiros projectos em que fui para a rua observar utilizadores reais. Mal sabia eu que, naturalmente, o meu foco começaria a mudar.

Nesses anos, os telemóveis não eram o que são hoje. Contudo, em 2007, a Apple lançou um produto revolucionário: o iPhone. Os conteúdos passaram a estar em movimento connosco e foi por essa altura que comecei a ouvir falar de experiência de utilização.

O conteúdo era (e é) o rei, como se costuma dizer. Não era possível desenhar uma experiência útil e agradável sem conhecer melhor os meus utilizadores. Por iniciativa própria, quando começava um projecto baseado em briefings, focados em atingir objectivos de marketing ou de negócio, comecei a questionar, principalmente perante grupos de amigos que poderiam ser utilizadores do produto a desenvolver, quais as suas necessidades e como os poderia ajudar no seu dia-a-dia. Assim, antes de apresentar um conjunto de layouts de alta definição aos meus clientes, comecei a apresentar, em wireframes, algumas soluções com base nas pequenas entrevistas que efectuava.

Todo esse processo pareceu-me natural. Contudo, com o avanço do responsive web design, não consegui deixar totalmente de estar focado na tecnologia. Agora desenhava primeiro para o telemóvel – frameworks como a Bootstrap começaram a ganhar o seu lugar de destaque, o HTML e CSS evoluíram, o Javascript era cada vez mais fundamental para o que desenvolvia. Mas, aos poucos, consegui influenciar os meus clientes de que era preciso saber mais sobre quem utilizava os seus produtos.

 

Do front-end ao UX Design

Passados mais de 10 anos desde que comecei a minha carreira profissional, deixei de ser um Web Designer para evoluir como front-end developer. Lá estava eu, novamente a ser sugado para o vortex da tecnologia e do código, mas nunca mais deixei de me focar no utilizador.

Nesta fase, quando iniciava um projecto com as diferentes equipas envolvidas, vestia o escudo para defender os utilizadores, os clientes finais dos projectos que desenvolvia.

“Que problema querem que seja resolvido, quem, como e quando é que vai utilizar o vosso website, a vossa app, a vossa interface?”

Quantas “guerras” não comprei por querer defender o utilizador, quando os meus clientes queriam apenas aumentar e satisfazer métricas comerciais.

Por esses dias, estava a trabalhar para uma grande empresa da área da comunicação social, que tinha como objectivo uma forte aposta na inovação e renovação da sua área digital. Ainda hoje estou grato por um director, que se tornou amigo e mentor, apostar em mim como UX Designer. Pela primeira vez senti que estava no caminho que queria para o meu futuro. E agora?

Há algum tempo que investigava sobre essa área, arregacei as mangas e tentei aplicar tudo o que estudava. Fiz avaliações heurísticas dos projectos a redesenhar, marquei reuniões com os stakeholders dos projectos para perceber as necessidades de negócio, elaborei arquitectura de informação e todas as minhas ideias começavam no papel.

“Daqui a quanto tempo podemos ver o site no ar?”

Todos nós sabemos que existem prazos a cumprir, e agora, como único UX Designer de uma empresa onde esse não era um tópico vital para os projectos, lutei por todos os meios e em todos os momentos para testar com utilizadores os conceitos desenvolvidos. Como tinha um perfil híbrido entre o front-end e o UX Design, encontrei soluções viáveis na fase de desenvolvimento.

Não existia tempo para protótipos ou testes de usabilidade, o user research era suportado pelas personas criadas por departamentos de marketing. No entanto, conseguimos, numa fase beta dos produtos, fazer testes A/B, ir para a rua testar em modo guerrilha e, finalmente, apareceu o tal momento “a-ha”.

 

Finalmente, UX Designer

O sucesso pode ser subjectivo e pode ser medido de diferentes maneiras. Fui convidado para integrar pela primeira vez uma equipa exclusivamente dedicada ao UX Design.

Por esses dias, o uso do telemóvel aumentava de ano para ano, existiam mais equipamentos do que pessoas e o desafio que tinha pela frente passava por desenhar interfaces de aplicações móveis, para feature phones, em países onde não existiam as melhores condições tecnológicas e uma cultura díspar da ocidental.

Deixei de estar preocupado com o código, não desenhava apenas para a web e finalmente estava focado no utilizador, mas o desafio era enorme: estava a milhares de quilómetros de distância e não conhecia a cultura e sociedades onde estavam inseridos os utilizadores finais.

Como sempre, o negócio queria aumentar o número de vendas através dos seus produtos e tinha uma equipa dedicada a conhecer os seus clientes para desenhar a melhor experiência possível, de forma a convertê-la em valor para o negócio.

As ideias eram testadas à distância. Os protótipos por nós desenhados eram enviados para um país longínquo e uma equipa local realizava testes de usabilidade. Posteriormente, recebíamos os vídeos e os relatórios finais desses testes e os desenhos sofriam refinamentos antes de passarem à equipa de desenvolvimento. Porém, muita da informação e dos findings ficavam perdidos na tradução, pelo que nada como testar contextualmente, in loco, e lá fui eu conhecer um novo país.

Foram tempos desafiantes e gratificantes. Finalmente sentia que era UX Designer.

 

Em como ser web designer ajudou na transição

Hoje em dia sou um UX Designer integrado numa equipa de desenvolvimento de uma aplicação móvel e, olhando para trás, percebo que os anos como web designer ajudaram na transição para UX.

Apesar de desenhar e desenvolver exclusivamente para web, focado na tecnologia, o meu dia-a-dia passava por resolver os problemas dos meus clientes e desenvolver soluções web úteis, harmoniosas e apelativas, testando e aprendendo com o erro, num processo de melhoria constante.

Trabalhei com diversas equipas e metodologias, ferramentas e linguagens de programação. Ganhei com isso uma multidisciplinaridade necessária para a área de UX. Pesquisa de utilizadores, testes de usabilidade, arquitectura de informação, expert reviews, desenho de interfaces a prototipagem, muitas são as ferramentas de UX aplicadas em projectos como aqueles em que estou envolvido.

Vejo hoje como uma mais valia a experiência que tive como web designer, inicialmente focada na marca e na tecnologia. Consigo falar a mesma língua dos developers, compreendo melhor as necessidades dos negócios e projectos, conseguindo assim desenhar melhores experiências de utilização para os seus produtos.

Tem sido uma aprendizagem constante. Passaram alguns anos desde que exerci pela primeira vez a função de UX Designer. A transição entre web designer e UX Designer pode ser um caminho natural, tão natural que dou por mim a observar o que as pessoas fazem na rua, a procurar problemas de usabilidade em tudo o que me rodeia, desde interfaces até, por exemplo, à experiência de andar nos transportes públicos em Lisboa.

O importante é querer aprender todos os dias um pouco mais, ouvir e observar o ser humano. Aprender com os bons e maus exemplos de UX, mesmo quando somos nós a proporcionar algo que não é usado como pensamos.

Acima de tudo, temos de estar susceptíveis à mudança de foco, a colocar-nos no lugar do outro, e para isso a Certificação UX-PM Nível 1 em muito contribui, ajudando a compreender as diferentes técnicas e ferramentas de UX e aplicar uma metodologia User-Centered Design no nosso trabalho diário.

 

Por opção do autor, este texto não foi escrito ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990.