“Life is too short to click on things you don’t understand.”
— Jakob Nielsen

 

Todos nós já tivemos um “daqueles” dias, em que parece que, por azar, nada funciona. Acordamos atrasados porque, afinal, o despertador do nosso novo telefone, que achávamos ter programado corretamente, não tocou. A correr, tentamos beber o primeiro café da manhã, aquele café tão importante, mas a máquina simplesmente não colabora, e saímos sem o tomar. Chegamos ao carro e descobrimos que o depósito está na reserva. Conduzimos até à estação de serviço mais próxima e tentamos colocar gasolina na única bomba que aceita cartão, mas, naquele dia, o nosso cartão simplesmente não funciona e somos obrigados a pagar na loja… que tem uma fila lenta e infindável. Finalmente, pomo-nos a caminho do trabalho, mas apanhamos trânsito, resultante de um acidente. É oficial: apesar de todos os nossos esforços, estamos atrasados. Quando chegamos à secretária, estamos esbaforidos, chateados e maldispostos. E o dia mal começou!(1)

 

Má usabilidade é tempo perdido

Parece que foi um começo de dia com azares consecutivos e difíceis de controlar, mas, observando de uma nova perspetiva, será que foi de facto isso que aconteceu: apenas uma série de azares? Vejamos… O acidente na estrada resultou do condutor querer aumentar o som do rádio, mas, não existindo uma diferença óbvia nos botões, foi obrigado a olhar para o rádio no momento em que o carro da frente teve de fazer uma travagem de emergência. A fila, na caixa da estação de serviço, resultou de um sistema pouco intuitivo, que obriga o empregado a confirmar todos os passos do pagamento para evitar erros (e, potencialmente, uma redução do seu salário). A bomba que não aceitou o nosso cartão é a responsável por termos ido para a fila. Teríamos conseguido pagar com cartão se a ranhura tivesse dado pistas sobre como é que o cartão deveria ter sido introduzido, mas, naquele momento, já estávamos tão irritados que não conseguimos interpretar o esquema que nos estava a ser apresentado ou pensar em novas soluções. A máquina de café foi desenhada para aceitar um tipo específico de cápsulas de café. As que temos em casa, e que compramos no supermercado, por estarem em promoção, afinal não serviam para aquela máquina, porque a informação na embalagem não foi suficientemente clara. O despertador, que foi o primeiro responsável por esta série de eventos, levou-nos a pensar que estava bem programado, mas afinal definimos o despertar para as 7 da tarde em vez das 7 da manhã.

Todos os exemplos referidos acima, e que identificamos muitas vezes como “azares” ou, até mesmo, “azelhices” nossas, são resultado de más escolhas por parte de quem desenhou os sistemas que utilizamos. Todos eles demonstram falta de atenção com o principal ator da ação — quem o vai usar. E não é incomum que os sistemas sejam pensados apenas em termos da sua funcionalidade, ou seja, o que se espera conseguir dele, e não do ponto de vista da sua utilização.

Usabilidade — porquê investir?

Nas empresas, a interação com uma interface que torna os colaboradores pouco eficientes pode representar milhares de euros perdidos, dia após dia, mês após mês, ano após ano. Uma empresa de instalação/reparação de sistemas de TV/NET tinha um formulário mal desenhado no seu site, que levava os clientes a escolher opções erradas ou diferentes das que realmente precisavam. O resultado do formulário era passado aos técnicos que, com base nas respostas, levavam o material necessário para fazer a intervenção. No entanto, sempre que chegavam a casa dos clientes, deparavam-se com um problema diferente daquele que tinham recebido pelo formulário do site, obrigando-os a voltar para trás, representando custos extra para a empresa, e uma má experiência para o cliente. E tudo começa com um mau design de um formulário…

Usabilidade — porquê investir?

 

Usabilidade em sistemas críticos

No entanto, a usabilidade ainda se torna mais importante nos sistemas críticos, como sistemas médicos, de gestão de tráfego aeronáutico ou de gestão de energia, por exemplo. O acidente nuclear de Three Mile Island foi um dos mais graves da história industrial de energia nuclear norte-americana, com libertação de gases radioativos significativos para o meio ambiente e a retirada de 140 000 pessoas num raio de 16 km. A imagem seguinte mostra a sala de controlo e a enorme quantidade de botões e controlos que acabaram por ser a causa da catástrofe:

usabilidade em sistemas críticos

De forma resumida, o acidente nuclear começou com falhas no sistema secundário não nuclear, que foi agravado pelo fato de grandes quantidades de líquido refrigerante do reator nuclear escaparem, resultantes de uma válvula aberta. No entanto, os funcionários do centro nuclear não fizeram nenhuma tentativa para fechar a válvula que impedia que a catástrofe acontecesse. Mas porquê?

Durante a investigação, descobriram que a interface na sala de controlo apresentava graves problemas de usabilidade. Apesar da válvula que desencadeou o acidente estar aberta, o indicador no painel de controlo não mostrava nada de estranho. Na verdade, a luz que estava associada a este controlo não indicava se a válvula estava fechada ou aberta, apenas se estava ligada ou não. Este fato levou a que os funcionários não interpretassem o problema corretamente por várias horas. Quando deram conta de que algo poderia não estar bem, nessa altura, o pior já tinha acontecido.

Neste exemplo, um simples botão mal desenhado resultou em sérias consequências para o ambiente e para a comunidade: uma catástrofe nuclear, que deixou um legado que ainda vai perdurar por muitas gerações. No entanto, muitas vezes, associamos estas falhas de sistemas aos utilizadores, chamando-lhes “erro devido a falha humana”. Será mesmo falha humana ou um sistema que não foi desenhado de forma intuitiva, tendo em consideração o contexto de criticidade e o que poderia ocorrer em cenário de crise?

Don Norman, no livro “The Design of Everyday Things”, refere que “(…) atribuir a culpa a uma pessoa pelo erro, é apenas uma maneira confortável de proceder — mas porque é que o sistema foi desenhado para permitir que isso acontecesse?”

 

A definição da usabilidade

A usabilidade, tal como a utilidade ou a segurança, é um parâmetro da qualidade — por exemplo, a qualidade de utilização de uma interface. À partida, se a interface permite ao utilizador fazer, quase sem dar conta, a tarefa que se propõe, podemos afirmar que a interface tem uma boa usabilidade. Em parte, sim, mas existem outros aspetos que a definem:

1. Facilidade de aprendizagem: define a facilidade de utilização, ou seja, o tempo que o utilizador precisa para aprender a fazer uma tarefa nova. Por exemplo: definir o despertador no seu novo telefone.

2. Eficiência: define o nível de esforço que é necessário para que o utilizador consiga fazer uma determinada tarefa, sendo uma dimensão extremamente importante em interfaces de utilização intensiva, como um software clínico de gestão de urgência hospitalar.

3. Facilidade de memorização: define a facilidade com que o utilizador, passado algum tempo sem interagir com a interface, é capaz de realizar as tarefas que fazia sem necessidade de reaprendizagem. Por exemplo, passou um ano e tem de pagar novamente o selo do carro. Qual é mesmo o caminho que tem de fazer no Portal das Finanças para obter a referência Multibanco?

4. Robustez: define a quantidade de erros que a interface leva o utilizador a cometer.

5. Satisfação: é mais difícil de medir ou quantificar, pois está relacionada com fatores subjetivos. A satisfação refere-se ao nível de conforto que o utilizador sente ao utilizar uma determinada interface. A satisfação é influenciada pelas 4 primeiras dimensões — quanto mais fácil de aprender, eficiente, memorável e robusta for uma interface, maior é a satisfação que gera no utilizador.

O último ponto — a satisfação — está relacionado com a experiência de utilização — ou user experience — que é definida por outros níveis importantes para além da usabilidade, envolve as emoções, as perceções e até as decisões de negócio, que podem determinar uma boa ou má experiência do utilizador.

 

 

Da próxima vez que se sentir frustrado quando tenta fazer alguma coisa e o sistema parecer não querer colaborar — por exemplo, tirar um simples café — antes de se culpar a si próprio por não dar conta do recado, questione antes se a interface que tem à sua frente estará bem desenhada. Este ponto é ainda mais importante quando se tratam de sistemas críticos — como sistemas hospitalares ou de gestão energética — que têm impacto na vida de todos os nós. No nível 1 da Certificação UX-PM são abordados conceitos base da metodologia User-Centred Design e apresentadas as principais atividades que permitem tirar partido dos benefícios em aplicar UX nos serviços ou produtos que as empresas possam estar a desenvolver, de forma a que (também) a usabilidade seja integrada no seu desenvolvimento e com isso potenciar a sua vantagem competitiva.

 

(1) Adaptado de “The elements of User Experience” by Jesse James Garrett.